Fotografia de Estrelas – Uma Introdução

O interesse e fascinação pelas estrelas data desde o quarto milênio antes de Cristo, quando civilizações antigas do Egito, Babilônia, China e América Central já estavam fazendo observações dos eventos celestes, sendo capazes de criar seus primeiros calendários e predizer eclipses do sol e da lua. Também, a observação do céu influenciou práticas religiosas e propiciou a invenção da navegação celeste. Os gregos avançaram esse conhecimento, perceberam que a Terra é redonda, e suas estimativas de nossa própria circunferência possibilitaram determinar distâncias e tamanhos aproximados do sol e da lua. Os caminhos para a astronomia moderna foram traçados no século 16 por Nicolau Copérnico e seu modelo heliocêntrico (o sol no centro), aprofundado pelas medições de Tycho Brahe, que foram usadas por Johannes Kepler para recalcular as órbitas dos planetas e provar que os mesmos orbitam o sol em movimento elíptico. Pouco depois, Isaac Newton estabeleceu os fundamentos teóricos da física moderna, no Século 17.

A Noite Estrelada, 1889, Vincent Van Gogh, óleo sobre tela, Museu de Arte Moderna, Nova Iorque. Fonte: Wikipedia.

No campo das artes, os tons quentes de nossa estrela mais importante, o sol, já foram usados para dar vida a uma infinidade de pinturas de paisagem, desde os primeiros mestres desse gênero das artes, como Claude Lorrain e Nicholas Poussin, e céus estrelados já inspiraram muitos artistas, como Vincent Van Gogh e sua famosa pintura A Noite Estrelada, por exemplo. Van Gogh chegou a dizer que “de minha parte não sei nada ao certo, apenas que a visão das estrelas me faz sonhar”. No campo da fotografia, desde logo após a sua invenção, os assuntos astronômicos se tornaram objeto de interesse, com as primeiras fotografias da lua, estrelas e da Via Láctea, no século 19. O americano John Adams Whipple foi o primeiro a produzir, com sucesso, os primeiros daguerreótipos da lua (1851), tendo também se interessado pelo registro de estrelas que não o sol.

Visão da Lua, por John Adams Whipple, 26 de fevereiro de 1852 (daguerreotipia). Fonte: Wikipedia.

Desde então, e especialmente depois do advento da fotografia digital, a fotografia de estrelas, um caso especial tanto da astrofotografia como da fotografia de paisagem, tem se desenvolvido a passos largos e se beneficiado com o aprimoramento dos sensores eletrônicos e de sua cada vez mais elevada sensibilidade à luz. Índices muito baixos de luminosidade são características intrínsecas da fotografia de estrelas, o que coloca desafios técnicos particulares à sua execução. A seguir, discutimos alguns aspectos essenciais para um fotógrafo dar seus primeiros passos nesse gênero da fotografia, incluindo equipamento, técnica e ferramentas de planejamento. Ênfase é dada à fotografia de estrelas no contexto da fotografia de paisagem, de forma que esse tutorial não aborda a astrofotografia em geral, com sua variedade característica de corpos celestes. Além disso, subtende-se que o fotógrafo esteja utilizando uma câmera digital.

Parque Nacional de Yosemite, Califórnia, Estados Unidos. Nikon D800, Nikkor 24-70mm em 40mm, f/2.8, ISO 3.200, 10s.

Teoria básica

Durante a realização de uma fotografia de estrelas, há muito pouca luz natural disponível, assim, tempos de exposição longos são requeridos, da ordem de segundo a minutos. Há, basicamente, dois tipos de fotografias com estrelas que podem ser realizadas: fotografias com estrelas registradas como pontos no céu, tal como as vemos naturalmente (constelações e Via Láctea, por exemplo), cuja técnica e prática são enfatizadas aqui, e estrelas registradas por meio de seus rastros deixados no céu, como resultado do movimento de rotação da Terra, sendo essa uma interpretação mais subjetiva do assunto.

Para o primeiro caso, é importante determinar um tempo de exposição limite para que o registro seja feito tal que, de fato, estrelas como pontinhos sejam registradas. Para isso, existem tabelas, como essa mostrada abaixo, que sugerem tempos de exposição máximos, abaixo dos quais as estrelas serão registradas como pontos céu, em função da distância focal utilizada. Nesse caso, as estrelas não “caminhariam” no céu. Assim, por exemplo, com distância focal igual a 14mm em um sensor digital full-frame, o tempo de exposição deve ser menor ou igual a 36s para que as estrelas ainda sejam registradas como pontos. Num sensor Nikon ou Sony APS-C, esse tempo seria de 24s e, num sensor Canon APS-C, seria de 22s, de acordo com a tabela, pois há de se compensar para o fator de corte que relaciona esses tamanhos de sensor.

Tabela 1. Tempos máximos de exposição em função da distância focal efetiva: estrelas registradas como pontos no céu.

A Tabela 1 foi construída de acordo com a conhecida Regra dos 500. Essa regra sugere que o tempo de exposição máximo aceitável, em segundos, suficiente para evitar que as estrelas deixem um rastro no céu, pode ser obtido dividindo-se 500 pela distância focal efetiva (isto é, tomando como referência o formato 35mm/full frame). Assim, no exemplo acima, teríamos 500/14≈36s. Se a câmera usada possuir um sensor menor que o full-frame, então, o resultado deve ainda ser dividido pelo fator de corte do sensor, para que a distância focal efetiva seja usada no cálculo.

Equipamento ideal

Para os índices muito baixos de luminosidade, característicos da fotografia de estrelas, objetivas com grandes aberturas máximas são preferíveis, como as grande angulares com abertura máxima 2.8, por exemplo. Os elevados ângulos de visão fornecidos pelas objetivas grande-angulares (na faixa 14 a 24mm, tomando como referência o formato 35mm/full-frame) são interessantes para composições em que grandes porções do céu são usadas. Objetivas como a Nikon 14-24mm f/2.8 ou a Canon 16-35mm f/2.8, por exemplo, são candidatas naturais para a fotografia de estrelas. Mas, na prática, qualquer objetiva pode ser usada para a fotografia de estrelas, mesmo que não seja uma grande angular com grande abertura máxima, pois, no fim, a composição da imagem é uma decisão particular do fotógrafo e aberturas máximas mais restritivas poderão ser compensadas com tempos de exposição um pouco mais longos.

Praia da Parnaioca, Parque Estadual da Ilha Grande, Rio de Janeiro. Nikon D800, Nikkor 14-24mm em 24mm, f/2.8, ISO 6.400, 15s.

Com relação à câmera digital, deve-se primeiramente atentar que para a fotografia de estrelas como pontos no céu, mesmo utilizando-se objetivas com grandes aberturas máximas, os tempos de exposição máximos indicados ilustrativamente na Tabela 1 podem apenas ser obtidos quando se utilizam valores elevados de ISO, tipicamente maiores que 1.600. Isso implica que a câmera ideal para a fotografia de estrelas tenha um sensor que apresente um bom desempenho com ISO elevado, com pequena quantidade de ruído eletrônico, sendo esse o caso típico de câmeras digitais com sensores full-frame.

Dentre os acessórios fundamentais para esse tipo de fotografia, destacam-se um tripé robusto com cabeça de ajuste flexível, que permita apontar a câmera para o céu com facilidade, como é o caso de cabeças do tipo bola (ball-head), e um cabo disparador, especialmente aqueles fabricados com uma tela de cristal líquido (LCD) com retro-iluminação, facilitando que o monitoramento do tempo de exposição esteja facilmente acessível ao fotógrafo em ambiente escuro.

Parque Nacional de Yosemite, Califórnia, Estados Unidos. Nikon D800, Nikkor 14-24mm em 21mm, f/5.6, ISO 400, 81s.

Fotometria, equilíbio de branco e formato de arquivo

A fotometria da cena pode ser feita de acordo com os seguintes passos:

• Use o modo de exposição manual;
• Use a abertura máxima do diafragma da objetiva, qualquer que seja;
• Use um valor inicial de ISO igual a 3.200;
• Faça uma exposição-teste de 10s de duração;
• Avalie a exposição resultante com a ajuda do LCD da câmera e seu histograma e decida se um tempo de exposição maior é ou não requerido;
• Quando o tempo de exposição for ajustado, verifique se o mesmo está de acordo com a Tabela 1; se sim, a fotometria está preliminarmente pronta. Porém, se houver bastante folga no tempo de exposição em relação ao valor limite sugerido pela tabela, então considere a possibilidade de diminuir o valor do ISO para obter menores níveis de ruído eletrônico e aumente o tempo de exposição proporcionalmente, sempre observando a tabela. Porém, por outro lado, mesmo se com ISO 3.200 o tempo de exposição ainda ultrapassar o valor estabelecido na tabela, então suba ainda mais o valor do ISO para poder diminuir o tempo de exposição, proporcionalmente.

Forte dos Remédios, Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha. Nikon D800, Nikkor 14-24mm em 14mm, f/2.8, ISO 3.200, 20s.

O equilíbrio de branco (white balance – WB) é o ajuste da fotografia que define o equilíbrio de cores da imagem resultante. Como se recomenda que o fotógrafo armazene os dados capturados em formato de arquivo RAW, a fim de ter mais flexibilidade no ajuste da imagem durante a etapa de pós-processamento, o equilíbrio de branco pode ser deixado em modo automático, porém, nesse caso, essa escolha vai neutralizar bastante as cores da cena. Por isso, nesse ponto experimentação pode ser muito divertida, de forma que o fotógrafo pode optar por usar valores de WB com temperaturas de cor mais baixas, como tungstênio (2.850K), deixando o céu com uma coloração mais azulada, ou então sombra (7.500K), escolha que incorporará tons quentes ao céu. Ajustes finos a partir desses valores podem ser feitos na própria câmera (usando o controle manual do WB) ou no próprio pós-processamento.

Focalização

Uma grande dificuldade para fotografar em baixa luminosidade é a realização da focalização, pois os sistemas de auto-foco das câmeras não têm bom desempenho nesse tipo de situação. Subtende-se, nesse tutorial, que as estrelas são as protagonistas da composição da imagem e que arranjos mais ousados, como aqueles que envolveriam também primeiros planos muito próximos à câmera, não estão sendo tentados ainda. Assim, recomenda-se que a focalização seja feita de forma a dar máxima nitidez às estrelas, isto é, a focalização deve ser feita na distância conhecida como o “infinito” da objetiva fotográfica. Assim, algumas alternativas de focalização podem ser apresentadas:

• Se a lua estiver visível no céu, então a focalização poderá ser feita na mesma, usando o sistema de auto-foco da câmera;
• Se uma fonte pontual distante de luz estiver disponível (como as luzes de uma casinha ou de um barco muito distantes), então é possível que o sistema de auto-foco consiga utilizar essa luz para focalizar;
• A terceira alternativa faz uso do sistema live-view dos LCDs traseiros das câmeras digitais – apontando-se a câmera para um conjunto de estrelas, utilize o zoom digital do live-view até próximo de seu máximo e ajuste o foco da objetiva aproximadamente para o infinito; com boa chance, alguma estrela mais proeminente poderá ser visualizada no LCD e a focalização manual poderá ser usada para fazer o ajuste fino desse processo;
• Para a quarta alternativa, use a marcação de infinito de sua objetiva caso a mesma a possua – o problema dessa alternativa é que essa marcação nem sempre é precisa, de forma que a boa prática recomenda que o fotógrafo teste sua localização exata (isto é, se um pouco mais à direita ou esquerda da marcação encontrada na objetiva) antes de ir a campo para a realização de fotografia de estrelas.

Parque Nacional de Yosemite, Califórnia, Estados Unidos. Nikon D800, Nikkor 24-70mm em 38mm, f/8, ISO 100, 20min. Exposição longa intencional para promover o movimento das nuvens.

Seguramente, a etapa de focalização é aquela que pode ser mais complicada durante a realização de fotografias de estrelas, especialmente quando as duas primeiras alternativas acima não estiverem disponíveis. A terceira alternativa, usando o sistema live-view, é provavelmente a mais precisa, e aquela recomendada nesse tutorial para domínio do fotógrafo. Essa técnica pode ser treinada em casa, bastando o fotógrafo apontar a câmera, montada num tripé, para algum objeto e realizar sua focalização manualmente via live-view com zoom digital.

Rastros de estrelas no céu (star trails)

Essa é a segunda forma tradicional de fotografia de estrelas, aquela que captura os rastros de luz que as estrelas deixam no céu, devido à rotação da Terra sobre seu eixo, como já observamos. Nesse caso, o procedimento para a realização da fotografia pode começar a partir do ponto final do caso anterior, isto é, aquele em que as estrelas são fotografadas como pontos no céu. Assim, digamos, por exemplo, que a fotometria final do procedimento do caso anterior tenha sido:

f/2.8, ISO 6.400, 15s

A partir desse ponto, podemos diminuir o ISO e aumentar proporcionalmente o tempo de exposição. Por exemplo, se diminuirmos o ISO para 100, então teremos fechado a exposição em 6 pontos de luz nessa variável. Logo, para obtermos uma exposição equivalente, devemos abrir os mesmos 6 pontos de luz no tempo de exposição, resultando em 960s (isto é, 16min). Alternativamente, a abertura do diafragma poderá ser utilizada para aumentar o tempo de exposição. A preferência por diminuir o valor do ISO é feita com o intuito de aumentar a qualidade da imagem, evitando a presença de ruído de ISO elevado.

Um problema que surge com exposições tão longas, como no exemplo acima (isto é, 16min), é o conhecido ruído de longa exposição (RLE), que surge devido a efeitos térmicos observados no sensor eletrônico durante a realização da fotografia. Esse ruído diferencia-se do ruído clássico relacionado a valores elevados de ISO porque tem um padrão fixo, isto é, sempre se manifesta nos mesmos pixels do sensor eletrônico. Uma solução para esse ruído é utilizar o redutor de ruído de longa exposição, disponível na maioria câmeras digitais mais avançadas. Quando ativado, após a realização da exposição, a câmera automaticamente realiza uma outra exposição com o mesmo tempo de duração e com o obturador totalmente fechado. A ideia é identificar a presença e localização do RLE na fotografia escura e subtraí-lo da primeira fotografia. Entretanto, como efeito desconfortável desse recurso, os tempos de exposição dobram e, no exemplo acima, os 16min de exposição virariam 32min! Recomenda-se que o fotógrafo realize testes com seu equipamento com tempos de exposição longos e variados sob condições controladas (em casa, por exemplo) e observe quando o RLE se manifesta e se há, de fato, a necessidade de utilização do seu redutor.

Parque Nacional do Vale da Morte, Califórnia, Estados Unidos. Nikon D800, Nikkor 14-24mm em 20mm, f/2.8, ISO 3.200, 20s.

Alternativamente, em vez da realização de uma exposição tão longa, como descrita acima, o fotógrafo poderia optar por realizar uma sequência de exposições “curtas”, com os parâmetros iguais àqueles do caso anterior (isto é, com ISO elevado), por exemplo, e fundir essas imagens digitalmente em software apropriado. Essa é uma técnica de empilhamento digital de fotografias, sendo um tópico fora do escopo desse tutorial introdutório.

Planejamento

O planejamento da fotografia de estrelas pode ser muito beneficiada quando o fotógrafo tiver algum conhecimento sobre o posicionamento da Via Láctea, para o caso da fotografia de estrelas como pontos no céu, e a localização dos pólos norte e sul, quando a fotografia dos rastros de estrelas é desejada, pois apontando a câmera para os pólos, um movimento circular desses rastros será obtido. Há vários aplicativos para smartphones que podem ser usados para a localização de objetos celestes, tanto para iPhone como sistemas Android, como SkySafari, Star Chart, Star Walk, por exemplo. Para usuários de iPhone, um aplicativo muito poderoso se chama Photo Pills, pois além de ter recursos para a fotografia de estrelas, ainda apresenta inúmeras ferramentas muito importantes para a fotografia de paisagem.

Para composições em que a Via Láctea apareça de forma acentuada, é importante que a fotografia seja realizada em dias com a menor interferência da luminosidade da lua, de forma que o período da lua nova se apresenta como muito desejável nesse caso. Porém, a fotografia de estrelas não é restrita a esse período do mês, pois a depender da composição da imagem desejada, a luz refletida pela lua pode ser muito interessante para revelar o relevo da paisagem abaixo do céu.

COMENTÁRIOS FINAIS

A inclusão de um belo céu estrelado na composição de uma fotografia é um trunfo para os fotógrafos de paisagem e tem recebido muita atenção nos últimos anos. Como se diz, a prática leva à perfeição, e nesse tipo da fotografia, tão técnico e especial, um complicador extra se encontra justamente onde encontrar as condições favoráveis para a sua realização. Nos centros urbanos das grandes cidades, o empreendimento de fotografar estrelas pode ficar bastante comprometido. Mas isso também pode ser entendido como um estímulo à busca de ambientes naturais, como os parques nacionais, por exemplo, livres da poluição introduzida pelo excesso de luz artificial. Alguns tópicos foram deixados de lado nesse tutorial introdutório, como a inclusão de um primeiro plano proeminente na composição da imagem, técnicas avançadas de fotografia de rastros e o próprio processamento digital dos arquivos RAW, de forma que temos bastante estímulo para revisitarmos esse assunto no futuro.

PARA SABER MAIS

  • A World History of Photography, 2007, Naomi Rosenblum, Abbeville Press, New York.
  • The Science Book, 2008, National Geographic Society, Washington
  • Science, 2011, Adam Hart-Davis, ed., DK Publishing, Londres.
  • Astrophotography, 2014, Thierry Legault, Rocky Nook, Santa Barbara.

Originalmente publicado em Fotografe Melhor, n. 237, 2016: http://www.europadigital.com.br/fotografe-melhor/237

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